Quando criança engasgou-se com um talo de farinha e, por essa razão, passou a ser carinhosamente chamado pelos familiares de Talo de Farinha. Aí pelos doze anos, o agrado foi abreviado para Talo. Os colegas do grupo escolar, responsáveis pela simplificação, acharam Talo de Farinha um nome muito comprido. Ocorre que os companheiros frequentemente trocavam Talo por Tala, e, então, passou a ser tratado igualmente por ambos os apelidos, sem qualquer problema.
Os dois apelidos consagrados no Primário o seguiram também no Ginasial, onde desenvolveu sob a orientação de antigo professor orador uma fala desembaraçada que viria a ser a sua marca pessoal. Já nos primeiros anos, foi eleito presidente do Grêmio Estudantil, em disputa acirrada contra o grupo que se achava o dono do Grêmio. Bom companheiro. Líder estudantil. Celebridade local. Presença ilustre nos eventos estudantis, sociais, cívicos, culturais, religiosos. Os acontecimentos orbitando a sua volta.
Certo dia, os amigos inventaram que o apelido precisava ser definido: Talo ou Tala. Foi só um ensejo para que se instaurasse um período de polêmicas em torno do rapaz, envolvendo todo o mundo, menos o próprio interessado, alheio às altercações, bate-bocas, arranca-rabos, bagunças. Declarou que se manteria neutro, que não tinha poder de voto e nem de veto.
Voltou à tona, então, o engasgo sofrido na infância. Engasgo com talo de farinha – sustentavam os favoráveis a Talo. Já os inúmeros partidários do cognome Tala se dividiram em três correntes: a primeira, afirmando que Tala vinha do seu perfil magro e comprido, um varapau, uma tala; a segunda, que Tala tinha a ver com a genitália dele, até meio compridinha, mas muito fina; e a terceira, lembrando a tradicional atividade da família, voltada para o artesanato, produzindo cestos com tala de tucumã.
No calor das discussões, surgiu um grupo, do tipo nem Talo e nem Tala. Os membros dessa dissidência concordavam que o engasgo, sim, havia ocorrido, porém com espinha de peixe; não com talo de farinha. Espinha de jaraqui – afiançavam. E opinavam que o apelido deveria ser Espinha e não Talo ou Tala.
Ih! Não queria falar, mas vou falar por questão de consistência histórica, para que num remoto futuro algum biógrafo não me venha imputar esquecimento de fato notório. Pois que assim seja. Então, vá lá! O que não queria falar é o seguinte: Para engrossar mais o caldo, apareceu uns confrades levantando a bandeira de um novel apelido, alentado no ponto crucial da questão que era o engasgo – quer fosse ele de talo ou de espinha, não importava. Só que propunham fosse malandramente pronunciado Ingasgo, com “i”, dada a vigorante sonoridade desse vocábulo, muito melhor que o parônimo grafado com “e”, e que poderia ser reduzido para Ingá, numa referência ao seu perfil de magreza. Perceberam agora por que eu não queria contar? É forçar demais a barra, minha gente. Mas é isso que sempre acontece quando se abre demais o leque para ouvir todo o mundo. É o que dá!
Por isso, vamos ficar por aqui. Já basta de tantas explicações tão ardentemente sustentadas por seus respectivos defensores, que qualquer uma delas poderia ser a validamente vitoriosa. E, como tudo indicava que jamais chegariam a um acordo, as discussões foram esfriando até que cessaram. Os apelidos de Espinha e de Ingá não vingaram. Os de Talo e Tala, já arraigados na mente do povo, continuaram a acompanhá-lo pela vida afora. Era Talo pra cá, era Tala pra lá. E alguns avançadinhos passaram também a tratá-lo por Mister Tala. Olha só!
De presidente do Grêmio, reeleito por diversas vezes, foi um passo para disputar uma vaga para a Câmara de Vereadores. Interessante que nessa quadra da vida, os amigos resolveram resgatar as supostas formas originais dos apelidos, Talo de Farinha e Espinha de Peixe, que foram largamente divulgadas durante a campanha, nos cartazes e santinhos. Os amigos, como se marqueteiros fossem, convenceram o candidato que os apelidos por extenso trariam à lembrança dos eleitores dois sustentáculos da economia local – a farinha e o peixe – a serem defendidos por Ele com todo o vigor da sua juventude, numa mais que apropriada plataforma eleitoral.
Certo e que os vários apelidos do candidato – os compridos e os curtos – foram intensamente massificados nos quatro cantos da cidade para divulgação da candidatura. Um pluricandidato, debochavam uns. Tomara que tenha méritos como tem nomes, se divertiam outros.
Nos comícios e reuniões, sempre aparecia um engraçado, apimentando o ambiente, botando pra cima o astral do candidato: Fala, Tala! Bota no talo! Ou então: Fora os talaricos! Viva o Tala! E o candidato: Meus amigos, vocês conhecem a minha história. Quem sobreviveu a um engasgo pode vencer qualquer barra. Vou lutar contra aqueles que só querem engasgar o povo. E de rua em rua, de bairro em bairro, de comunidade em comunidade, o mote do engasgo permeou o palavrório do candidato durante toda a campanha, ganhando ímpetos de civismos, bairrismos, ufanismos, empolgando a plebe sempre ávida por uma animação gratuita.
A essa altura, já não importava se o engasgo havia sido com talo, com tala ou com espinha. O importante era o potencial do mote que alavancara a candidatura e colocou o candidato no topo das pesquisas.
Finalmente, chegou o dia das eleições e, foi aí, que a coisa engasgou. Perdeu a eleição. Sequer uma suplência lhe fora agraciada. Como assim? Eis a pergunta que precisava de resposta. Os índices das pesquisas não eram positivos e não davam como certa a sua eleição? Pois é. A culpada seria da pesquisa? Essas pesquisas têm margem de erro, falavam. E que pode variar de 5%, para mais ou para menos. Nessa hora, apareceu alguém que fez o seguinte esclarecimento: essa margem de erro de 5% para mais ou para menos é falsa. Principalmente no interior essa tal margem de erro pode chegar até 50%, tanto para mais quanto para menos.
Não se conformou. Ele e amigos começaram uma espécie de conferência buscando entender o que poderia ter dado errado. Lançaram mão das inúmeras agendas onde estavam registrados os nomes das pessoas abordadas durante a campanha. Somaram os parentes e os amigos dos parentes; contaram os amigos e os parentes dos amigos; computaram os conhecidos e os parentes dos conhecidos. E passaram também a incluir na contagem as pessoas que iam encontrando nas ruas e declaravam que tinham votado nele. Minha gente, o montante de votos superava o coeficiente eleitoral. Conclusão: houve roubo! Contudo não adiantava recorrer. Voto eletrônico não tem como recontar! É científico. Registrou tá registrado. E por isso ficou.
Perdeu a eleição, mas ganhou em popularidade – os amigos o consolavam – e nada lhe custaria tentar de novo. Quem sabe não vai da próxima? Não foi da próxima, nem nunca mais. Sumiu do mapa. Mudou de cidade. Um parente linguarudo comentou que ele andou procurando tratamento com um especialista da Capital, para exorcismar-se dos apelidos que o tinham sufocado.
Mister Tala… é a mãe! Foi como respondeu a um conterrâneo que tentou se aproximar dele, dia desses, no Amazonas Shopping. Pelo visto o tratamento ainda não surtiu o esperado efeito.